quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Fazendo música: o que diz um super especialista

Amigos,

Houve no facebook vários comentários relativos à minha última postagem, intitulada "Que roupa sua música veste".

Um deles, porém, ajuntou muitas ideias, reflexões e observações importantes demais e, além disso, foi produzido por quem tem um histórico muito relevante na produção de trabalhos no nosso meio: o nosso amigo Luiz Enrique.

Só pra dar uma ideia, que eu me lembre aqui, de cabeça, ele produziu os CDs da COMEBH (e a parte de áudio do DVD), DVD e CD ao vivo de Tim e Vanessa, Verbos de Versos, Meu Cantar, Músicas dos Seminários Lítero-Musicais do Portal Ser, o CD da Cacau, o trabalho do Coração Palpita, o CD Viajante do Universo, o CD do Hércules Mota e outros, muitos outros trabalhos.

Por isso, achei por bem transformar os comentários dele em uma postagem autônoma, para que fique disponível aqui para quantos se interessarem pelo tema, hoje ou no futuro.

Luiz, obrigado pela dedicação nas suas considerações. Sei que elas ajudarão muita gente que está buscando um norte nesse tema.

A seguir, então, dicas de um super especialista sobre a produção da nossa música.

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Amigo Denis,

Gostaria de somar às suas palavras, algumas de um passageiro da Nave Viajante, e de uma pessoa que um decidiu abraçar o ofício de músico há + - 25 anos atrás, e venho observando como as coisas acontecem (ou nem sempre acontecem).

Algumas dicas:
- REALIZAR UMA PRÉ- PRODUÇÃO, que consiste em fazer anotações, ensaios e uma gravação básica, (seja no próprio computador em multipista ou até mesmo no celular), experimentando o arranjo, a estrutura, a tonalidade, as vozes, e gerar um “CD piloto”, para ouvir, mostrar para algumas pessoas, e ter uma confirmação de que se está no rumo certo.
O CD viajante do universo por exemplo, teve uma pré-produção do próprio Dênis, com violão e vozes, que ele me passou para iniciar o trabalho de arranjo, e depois uma minha, com ensaios gravados com um baterista e um baixista em algumas faixas, e experimentações no estúdio. Algumas faixas que consideramos que a parte da voz e violão do Dênis, já estavam bem definidas, ele já tocava daquele mesmo jeito há bastante tempo, gravamos a parte dele com click no meu estúdio e ficaram valendo na versão final. Outras foram regravadas depois do arranjo definido.

- ARRANJADOR X PRODUTOR MUSICAL - Música ou Produto.
- Pensar na “música”, valorizar o que se quer dizer antes de pensar em “produto”.
- Recursos aparentemente fáceis para “impressionar” as pessoas, como por exemplo “copiar’ uma levada, colocar um”batidão” que faz grande parte das pessoas “chacoalharem” sem nem pensar no que estão ouvindo, podem fazer uma música ir para a vala do lugar comum e do sucesso duvidoso, e descaracterizar e perder a essência do que se queria transmitir.
- Além disso, chamar um músico virtuose para encher a música de notas e solos que não necessariamente tenham a ver com a música, e podem servir apenas para “tirar o foco” do principal que seria ( desculpe a repetição) o que essa música quer dizer ?, para quê ela serve?.
- Já, os recursos musicais, músicos bons, técnicos, profissionais competentes, quando sintonizados e bem direcionados para o foco, e para contribuir para “ embelezar e transmitir a mensagem da música, podem ser , aí sim, muito valiosos.

- TÉCNICA A SERVIÇO DE QUÊ?
A técnica, deve estar a serviço da mensagem, do sentimento que se quer transmitir, ou seja, "A técnica a serviço da Arte".
- A Técnica, sem intenção, sem algo a dizer, pode ser impressionante, mas é vazia, e pode se tornar um “elefante branco”. Imagine ouvir sobre o seu trabalho: Nossa!, O CD é muito bem gravado, mas não me diz nada, não teria vontade de escutá-lo novamente.
- A técnica a serviço do Ego, “ gravei no estúdio tal, que é “Top” ou “gravei com fulano de tal que é famoso”... Antes de qualquer coisa dessa natureza, é mais sensato observar “ o quê ?”, e “para quê ?” está sendo gravado, ao invés de “em qual estúdio ?” ou “ com quem?”.

- ARQUITETURA
Parece muito trabalhoso, e na verdade é mesmo, fazer um trabalho musical bem feito. Meu ofício, de arranjador e produtor, me lembra o de um arquiteto, que tem que planejar a realização de uma obra, e além de pensar na beleza externa, ou melhor antes de pensar na beleza e na parte externa, tem que cuidar para que a obra atenda ao que se propõe, pensar nos detalhes, nas funções, no acabamento, nos custos, e manter também um olhar para o conjunto da obra, para o todo. Imagina construir uma casa que por fora parece bonita, mas por dentro não é boa pra morar. Porém, a música é algo muito imaterial, é como construir com tijolos de idéias, de notas, de lembranças e de esperanças, com argamassa de sentimentos, de intuições, uma construção para ser vista com os olhos da alma, e ouvida com os ouvidos do sentimento.

- SIMPLICIDADE COM QUALIDADE
Para finalizar, cito uma célebre frase de um arquiteto que também era artista:
“A simplicidade é a máxima sofisticação” . (Da Vinci)
Para lembrar que o mais valioso no campo da música, é cuidar do que é “o mais importante”. Não confundir “SIMPLES” com “simplório”, com feito de qualquer jeito tá bom, “o pessoal vai ter caridade para ouvir e entender que tá mal gravado”. Penso que se você dá valor a algo, vai querer e cuidar para que seja bem feito, com carinho. Como por exemplo, tem pessoas que não dispõem de muitos recursos materiais, e você se sente muito bem numa casa simples, porém cuidada com carinho, com bom gosto, com amor. Com os recursos que tiver ao seu alcance, e hoje em dia os recursos estão muito disponíveis, faça com carinho, com sinceridade, com esmero, se esforce para evoluir, estude, aprenda, planeje, interaja, respeite seus limites, persevere, peça ajuda, guarde dinheiro, faça, mas não esqueça do que é “mais importante”.
Abraços Universais!

sábado, 9 de janeiro de 2016

Que roupa sua música veste?

É muito normal no nosso meio - ao qual chamo de "música espírita" sem sugerir qualquer definição da expressão - que nós conheçamos a maioria das músicas num formato simples, geralmente algo como voz e violão.

Às vezes está disponível algum incremento, há trabalhos de bandas, há a tendência musical de cada um. Mas os recursos imediatos não costumam ser muitos e tudo costuma ter uma roupagem simples.

Porém, quando os trabalhos amadurecem - ou, para alguns, antes mesmo de esse amadurecimento - é comum que sejam gravados registros, normalmente no formato de "CD".

Esse momento pode ser um divisor de águas. Como gravar? Aquela simplicidade em que a canção foi concebida ou com incrementos? Com os amigos de sempre ou contratando uma super banda?

Eu vivi esse dilema quando gravei o CD Viajante do Universo e sei de muitos amigos que o viveram também. Não são escolhas fáceis e há muito a ser ponderado nessa construção, coisas que às vezes nem imaginamos.

Mas há uma falácia comum: fazer bem feito é fazer um grande arranjo, com grandes músicos ou num formato muito moderno. Não é.

Você pode ter uma lógica totalmente "simples", como voz e violão - vide Tim e Vanessa na maioria dos seus trabalhos - e fazer bem feito. Fazer bem é fazer com qualidade, esmero, boa captação, equalização, mixagem, afinação, cuidado, fazer sem pressa pra ver bem o que está fazendo, e por aí vai.

E às vezes eu vejo amigos que, quando vão ao estúdio, descaracterizam seus trabalhos e suas canções. Isso parece ocorrer porque costuma ser possível contratar bons profissionais da música, músicos para tocar, bons arranjadores, gente do meio da música mesmo.

Contudo, muitas vezes falta a eles algo essencial: conhecer a maneira e o ambiente em que aquelas músicas fazem sentido, como aquelas músicas surgiram e cresceram, como devem continuar a ser usadas no futuro.

Esse "cara do estúdio" às vezes tem uma visão muito boa e técnica, mas também muito comercial, voltada para o que o "mercado" da música gosta. Se ele fosse um estilista, seria um conhecedor de muitas marcas e tendências, tudo o que está no auge no mundo da moda.

Porém, nós estamos totalmente fora desse mercado, não somos e não precisamos ser moda. E a "roupa" que precisamos vestir em nossas canções não é essa. Usar os rótulos convencionais e aquela lógica que às vezes até funcionam na perspectiva comercial do mundo da música e usar nas nossas canções costuma ser algo que mais empobrece do que valoriza.

Minha sensação é de que precisamos costurar à mão, com muita calma e paciência, a "roupa" que vestiremos na nossa música. Claro, as influências do que se faz por aí é não apenas bem vinda, como também inevitável.

No entanto, por melhor que seja a qualidade, vestir uma canção com informações "do mundo" pode funcionar mais como camisa de força do que como adorno. Há às vezes músicas que conhecemos em sua originalidade e que saem do estúdio irreconhecíveis, com vibração diferente e num formato cuja execução numa atividade espírita qualquer se torna impossível.

O caminho mais fácil geralmente é o menos profícuo. Contar com a ajuda de gente boa é ótimo, mas isso merece ser dosado com critério, a fim de verificarmos o que é harmonioso dentro da nossa proposta, do nosso meio, da nossa lógica, e colocar isso em primeiro lugar.

Quem deve dirigir o trabalho de gravação são aquelas pessoas que entendem a lógica e a essência desse trabalho. Delegar essa tarefa aos entendidos da música pode ser ótimo do ponto de vista prático, gerar arranjos mirabolantes e produções impecáveis. Mas, muitas vezes, essas produções são imprestáveis aos nossos propósitos de harmonização, sentimentos, enfim. Entra uma coisa no estúdio, sai outra.

Um trabalho registrado está registrado para sempre. É melhor pensar e ter paciência. É melhor fazer sem as urgências que às vezes fabricamos do que fazer algo do que se possa arrepender.

Feito assim, é um parto bem mais difícil. Se já costuma ser sempre desafiador, adotar esse critério vai potencializar o desafio.

Mas os resultados são para a vida toda. Vale à pena.