terça-feira, 10 de março de 2009

Excomunhão

O caso foi bárbaro: uma criança de 9 anos foi estuprada pelo padastro (e o era desde os 6) e apareceu grávida de gêmeos.

Os médicos apontaram que a formação física da menina fazia da gestação uma trilha de alto risco para a vida da criança e de seus fetos. Consentiu a família e um médico realizou o aborto, autorizado pela lei brasileira em razão do estupro.

Em sguida, "autoridades" Católicas excomungaram (a excomunhão é uma grave pena dentro da liturgia católica) os envolvidos por causa da realização de prática em desacordo com os preceitos da Igreja, que recrimina a prática. Ministros, o Presidente da República, a imprensa e outras expressões do meio social se revoltaram pela atitude considerada injusta da Igreja, em razão da barbárie que baseou o caso, legitimadora, aos olhos da maioria (e aos meus também), da atitude do aborto.

Mas, convenhamos: o Estado não é laico? Por que tanta preocupação para com uma liturgia da qual só é adepto quem assim o desejar? Para quem tais valores devem possuir relevância, senão aqueles que esposaram tais crenças?

Reservem-se as preocupações com as consequências das convicções religiosas e suas liturgias para quem a elas livremente resolveu aderir. Continuem as autoridades públicas repercutindo as decisões da Igreja a tal ponto e a Igreja seguirá influenciando de modo profundo até mesmo as ações de quem dela não participa.

Os mais atentos aos aspectos sociológicos dirão, com boa razão, que não se pode afastar a influência da Igreja, ainda mais em meios sociais carentes, nos quais ela cumpre importante função, chegando as penas religiosas a serem até mais impactantes que outros fatos sociais estatais. O argumento procede, mas não parece forte o bastante pra justificar tamanha repercussão de uma prática religiosa. Ao contrário, garante a Constituição Federal a liberdade de culto aos brasileiros - com direito a todas as convicções que respeitem ao futuro das pessoas num céu ou num inferno.

Então o Estado, quando quer reprovar a decisão da Igreja, é que está tentando se impor a ela, oprimindo a liberdade que ela deve ter de, concorde ou não a sociedade, atribuir o céu a certas práticas e o inferno a outras. Vamos querer agora submeter o que as autoridades canônicas devem acreditar como salvação ou morte eterna segundo nossas convições?

As leis do Estado, essas sim, são de observância obrigatória, e não houve infração a nenhum preceito legal brasileiro que ensejasse a reação das autoridades brasileiras. Por isso, penso que essas autoridades perderam boa oportunidade de deixar a atitude da Igreja, mais tarde "referendada" pelo Vaticano, ao plano de importância que ela merece: o círculo de repercussões das liturgias de uma religião e de seus adeptos.