domingo, 20 de setembro de 2009

Caridade: estrela da TV

Atualmente é quase certo. Muitos programas, notadamente aqueles de auditório, adotaram a caridade como prática recorrente.

Há quadros em que se reformam casas ou estabelecimentos comerciais de gente pobre; carros semi-destruídos são convertidos em admiráveis obras de engenharia; pessoas que estão distantes de suas famílias são reconduzidas aos seus locais de origem em emocionantes histórias; táxis "falsos" são transformados em ocasiões para que se conheçam necessidades de pessoas comuns, eventualmente supridas a seguir; "princesas" são convidadas a passar um dia completamente distantes de suas realidades, num conto de fadas moderno (tem gosto pra todo tipo de "príncipe encantado"...).

A primeira análise não costuma se equivocar: fazer o bem é sempre algo digno e deve ser incentivado, aplaudido. A premissa, a princípio, não é falsa.

Contudo, a reflexão proponho respeita à ordem das coisas: temos nessas experiências uma efetiva caridade que estava sendo realizada e que está sendo levada à televisão, ou temos simplesmente um fenômeno em que a caridade ficou "pop"? Se ficou "pop", isso ocorreu porque dá audiência e lucro à TV? E pergunta-se, ainda: essas pessoas estariam sendo auxiliadas se suas histórias não fossem garantias de boa audiência e lucros comerciais?

Creio que muitos dirão: sim, há lucros. Mas e daí? Não se fez o bem? Isso é o que importa!

Tal ponto de vista, contudo, não me convence. A razão é que a ordem altera - e muito - a essência das coisas. Os apresentadores que se arvoram em beneméritos realizadores constróem ganhos astronômicos sobre suas "ajudas". Com elas, bancam seus aviões particulares, seus carrões, suas mansões, seus relógios de ouro, seus exageros, prestígio...

Jesus fez importantes comentários em torno da caridade. Num deles, advertiu que uma mão não deveria saber o que a outra fez, numa clara alusão de que o bem real é coberto pelo manto da discrição e da realidade íntima. Ora, o magistério de Jesus é de substância, e não de forma; de conteúdo, e não de exterioridades.

E, afinal, qual será o efetivo ganho que essas ações pontuais promovem? Ao retirar-se uma família de uma casa que é verdadeiro escombro e alojá-la numa moderna e confortável residência, quais são as consequências? Não discuto o merecimento daqueles que são atingidos por esses aparentes benefícios, pois Deus não erra e não permite que erremos para além de um certo limite. Mas alcançam-se só bons resultados?

O que não consigo é deixar de refletir sobre como os sábados e domingos se transformaram em dias de histórias comoventes, quase iguais, que acionam a participação de milionários patrocinadores em torno da emoção de pessoas comuns e sofridas. Todos aqueles que, vidrados, sonham que um dia aquela ajuda seja dada a eles mesmos tem, assim, ao menos duas funções: ser audiência que torna o investimento compensador e compor o enorme exército de reserva de histórias tristes a serem exploradas...

Critica-se comumente - e não sem razão - a idéia de que os fins justificariam os meios. Agora a coisa ficou ainda melhor para os adeptos da idéia de Maquiavel: os verdadeiros fins não precisam ser vistos, pois foram encontrados ótimos meios para se passar por fins.

Não deve durar muito tempo. Quem sabe daqui a alguns anos ver a caridade fácil e estrondosa na TV sai de moda. Aqueles que hoje a praticam não devem se constranger ao abandonar a fórmula, trocando-a pela mais rentável da vez.

Jesus alertou que haveria falsos profetas e disse que eles realizariam prodígios. Mas tais prodígios, não hão de durar. Então... siga tais profetas quem quiser.