quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Os trotes do século XXI

Trotes.

Os noticiários tem dado ampla cobertura aos excessos cometidos nos trotes aplicados por veteranos em seus calouros aprovados no vestibular.

A prática é antiga e os abusos também não são nenhuma novidade. O que parece novo são a disseminação e a diversificação da prática, cada vez mais numerosa e sem graça, incluindo traços de "delicadeza" como forçar o calouro a nadar numa mistura de estrume e lama. Claro, afinal deve ser muito útil a experiência de nadar em estrume e lama, e deve haver larga relação com a atividade universitária...

Mas é que o acesso ao Ensino Superior tem crescido fortemente. E isso tem se convertido em banalização do Ensino Superior, ingressando cada vez mais pessoas sem real noção do significado de cursar uma faculdade. E como o nivelamento vai sendo feito por baixo, atividades marginais - e mais adequadas à mediocridade reinante - ganham importância, como é o caso dos trotes.

Não sabem muitos desses novos universitários que se na geração de seus pais a aprovação no vestibular beirava um feito notável, hoje em dia em raros casos significa algo relevante. É que a sociedade brasileira ainda não se adaptou ao fato de que ingressar numa faculdade atualmente é muitas vezes como entrar numa loja e comprar um produto - é a banalização do acesso. E, sim, vende-se um produto (muitas vezes ruim) mais do que se presta um serviço público de educação, na maioria dessas instituições.

Desconhecem os alunos - sujeitos passivos de um processo cruel de exploração e engano - que a bancada da educação, uma das maiores da Câmara Federal, não é um grupo de Deputados interessados no ensino de qualidade, mas tratam-se, sim, de Deputados financiados pelos grandes empresários do ensino e que lá estão para garantir os benefícios econômicos de seus coronéis.

O resultado? Uma lástima. Comemoram de um jeito estúpido um fato que talvez comportaria melhor uma celebração fúnebre. É o ingresso em uma instituição interessada na grana do aluno, e não na educação dele. Estão sendo enganados. E isso não é lá coisa pra se comemorar. Eis o papel da ignorância no sistema.

Mas, ignorantes, portanto, de todo esse processo que os conduz em cursos que possivelmente em nada acrescerão suas possibilidades no mercado de trabalho, encontram perfeita sintonia entre essa fase pós-adolescente de auto-afirmação da identidade e a possibilidade de ser um cruel e respeitável "veterano", que "sabe das coisas", e que tem o direito de impor esse rito de passagem (do nada pro lugar nenhum) aos seus calouros.

Tudo bem. Exagero com a coisa da passagem do nada pro lugar nenhum. E só vejo algum benefício nessa coisa do trote por reconhecer a exatidão do alerta de Joseph Campbel em "O Poder do Mito", mostrando-nos que a falta de rituais que ajudem os jovens a se tornarem adultos (e terem tal percepção) é parte do que tem levado a juventude ao desbaratino de identidade.

Então, os "pobres" jovens, meio muito perdidos, parece que buscam instintivamente a construção daqueles ritos que signifiquem a passagem pra uma vida adulta, ritos bastante fora de moda nas nossas sociedades.

Acho difícil eles encontrarem isso no prazer de ver o semelhante se esfregar no estrume. Mas, vai saber, com tão poucas bússolas disponíveis, cada doido que crie a sua...

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Crise, essa gordinha engraçadinha!

Crise financeira. Funciona mais ou menos assim:

- O capitalismo é um sistema que se assemelha a um sujeito muito gordinho, mas que pra se saciar precisa comer mais, mais, mais e mais ainda. Assim - e só assim - ele fica felizinho. Mas se um dia ele comer o mesmo ou menos do que no dia anterior, pronto: entra em crise, começa a chorar, se debater, dá um pitizinho.

- Logo, logo ele tem que arranjar um jeito de comer mais.

- Baseadas numa ficção total, as empresas tem a impossível missão de lucrar sempre mais do que antes. O crescimento é medido sobre o já crescido anteriormente, e a tarefa é muito mais enganar e simular a capacidade de crescer do que efetivamente crescer. Isso dá dinheiro, o objetivo unívoco da sociedade contemporânea.

- Daí os executivos ultra-remunerados fazem malabarismos impossíveis e ficciosos, as empresas adquirem participações umas das outras, simulam resultados, corrompem auditorias e tudo vai se baseando num sistema dependente do crédito, ou seja, de uma perspectiva futura que é pelo menos superestimada (pra dizer o mínimo).

- Ou seja, é a expectativa do que poderá existir de riqueza no futuro que vai lastreando a falsidade na qual se baseia o crescimento da economia. Mesmo que seja uma expectativa falsa!

- Mas chega uma hora que a coisa dá muito na cara... a ponta da corda, que é a produção efetiva de riquezas, arrebenta (excesso de produção), os sacos de dólares dos operadores do sistema já estão devidamente empaturrados e vem à tona a mentira que simulou um crescimento que, na verdade, é um crescimento futuro e que foi antecipado na marra, pra atender aquela ânsia do capitalismo de comer cada dia mais que ontem - esse fominha desvairado!

- Aí todos se afundam. As pessoas sorriem menos (dizem as pesquisas). A preocupação global se instala e os jornais clamam por novos paradigmas.

- A Sony, por exemplo, está muito mal. Lucrou apenas 100 milhões de dólares em 2008, contra 2 bilhões em 2007. Coitada. Como é triste ter menos do que ontem. Isso é motivo bastante para o sofrimento.

- E os bobos que se endividam para repartir seu dinheiro entre os contratadores do endividamento, os vendedores das desnecessidades e os especuladores do meio do caminho é que perdem seu emprego e expressam a crítica situação com suas estatísticas... O sistema bancário americano teve no ano passado o primeiro trimestre de perdas desde 1990. Isso: eles ganharam dinheiro, muito dinheiro, durante esse tempo todo, e quando a coisa foge um pouquinho da conveniência deles, é crise, corte de empregos, falência com prejuízo aos minoritários.

- Vai entender essa crise. Essa engraçadinha, chamada crise. Essa gordinha inveterada, chamada crise. Essa bolinha que só sabe ameaçar a explosão, mas que na hora "H" dá seu jeitinho e segue seus ciclos de muito comer... Quando será o próximo?

- (Só acho que quando for o último, o do colapso, ela não vai dar essa bandeira toda...)