sábado, 9 de janeiro de 2016

Que roupa sua música veste?

É muito normal no nosso meio - ao qual chamo de "música espírita" sem sugerir qualquer definição da expressão - que nós conheçamos a maioria das músicas num formato simples, geralmente algo como voz e violão.

Às vezes está disponível algum incremento, há trabalhos de bandas, há a tendência musical de cada um. Mas os recursos imediatos não costumam ser muitos e tudo costuma ter uma roupagem simples.

Porém, quando os trabalhos amadurecem - ou, para alguns, antes mesmo de esse amadurecimento - é comum que sejam gravados registros, normalmente no formato de "CD".

Esse momento pode ser um divisor de águas. Como gravar? Aquela simplicidade em que a canção foi concebida ou com incrementos? Com os amigos de sempre ou contratando uma super banda?

Eu vivi esse dilema quando gravei o CD Viajante do Universo e sei de muitos amigos que o viveram também. Não são escolhas fáceis e há muito a ser ponderado nessa construção, coisas que às vezes nem imaginamos.

Mas há uma falácia comum: fazer bem feito é fazer um grande arranjo, com grandes músicos ou num formato muito moderno. Não é.

Você pode ter uma lógica totalmente "simples", como voz e violão - vide Tim e Vanessa na maioria dos seus trabalhos - e fazer bem feito. Fazer bem é fazer com qualidade, esmero, boa captação, equalização, mixagem, afinação, cuidado, fazer sem pressa pra ver bem o que está fazendo, e por aí vai.

E às vezes eu vejo amigos que, quando vão ao estúdio, descaracterizam seus trabalhos e suas canções. Isso parece ocorrer porque costuma ser possível contratar bons profissionais da música, músicos para tocar, bons arranjadores, gente do meio da música mesmo.

Contudo, muitas vezes falta a eles algo essencial: conhecer a maneira e o ambiente em que aquelas músicas fazem sentido, como aquelas músicas surgiram e cresceram, como devem continuar a ser usadas no futuro.

Esse "cara do estúdio" às vezes tem uma visão muito boa e técnica, mas também muito comercial, voltada para o que o "mercado" da música gosta. Se ele fosse um estilista, seria um conhecedor de muitas marcas e tendências, tudo o que está no auge no mundo da moda.

Porém, nós estamos totalmente fora desse mercado, não somos e não precisamos ser moda. E a "roupa" que precisamos vestir em nossas canções não é essa. Usar os rótulos convencionais e aquela lógica que às vezes até funcionam na perspectiva comercial do mundo da música e usar nas nossas canções costuma ser algo que mais empobrece do que valoriza.

Minha sensação é de que precisamos costurar à mão, com muita calma e paciência, a "roupa" que vestiremos na nossa música. Claro, as influências do que se faz por aí é não apenas bem vinda, como também inevitável.

No entanto, por melhor que seja a qualidade, vestir uma canção com informações "do mundo" pode funcionar mais como camisa de força do que como adorno. Há às vezes músicas que conhecemos em sua originalidade e que saem do estúdio irreconhecíveis, com vibração diferente e num formato cuja execução numa atividade espírita qualquer se torna impossível.

O caminho mais fácil geralmente é o menos profícuo. Contar com a ajuda de gente boa é ótimo, mas isso merece ser dosado com critério, a fim de verificarmos o que é harmonioso dentro da nossa proposta, do nosso meio, da nossa lógica, e colocar isso em primeiro lugar.

Quem deve dirigir o trabalho de gravação são aquelas pessoas que entendem a lógica e a essência desse trabalho. Delegar essa tarefa aos entendidos da música pode ser ótimo do ponto de vista prático, gerar arranjos mirabolantes e produções impecáveis. Mas, muitas vezes, essas produções são imprestáveis aos nossos propósitos de harmonização, sentimentos, enfim. Entra uma coisa no estúdio, sai outra.

Um trabalho registrado está registrado para sempre. É melhor pensar e ter paciência. É melhor fazer sem as urgências que às vezes fabricamos do que fazer algo do que se possa arrepender.

Feito assim, é um parto bem mais difícil. Se já costuma ser sempre desafiador, adotar esse critério vai potencializar o desafio.

Mas os resultados são para a vida toda. Vale à pena.

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